O medo do fim
Como términos de amizades me traumatizaram pra sempre
Quando eu era pré adolescente, eu e minha amigas expulsamos uma menina do nosso grupo de amigas (que são minhas amigas até hoje) porque ela não sabia pular muro. E isso me assombra até hoje.
Primeiro porque foi de uma maldade (digna de alguém do fundamental) enorme feita sem muita reflexão prévia. Segundo porque instaurou-se um precedente. A partir do momento em que uma de nós podia ser expulsa por não pular muros, que outras inaptidões e medos seriam passíveis de expulsão? Sou assombrada até hoje pela possibilidade de, sem nenhum sinal ou aviso, minhas amigas simplesmente decidirem que não me querem mais.
Não é algo que me mantenha acordada a noite, mas em circunstâncias como as atuais (estou sem emprego), me pego temendo ser excluída por não me encaixar mais. Então qual a minha surpresa quando fui assistir "Banshees de Inisherin" e o enredo do filme é justamente melhores amigos que, do dia para a noite, deixam de serem amigos porque um deles decidiu que não lhe servia mais a amizade do outro.
"Mas o que eu te fiz?" Padraic questiona seu ex-amigo em desespero "Você não me fez nada. Você só é chato." Foi o que ele recebeu em retorno.
O filme é uma loucura, Colm (o outro amigo) encasqueta que não quer mais ficar perdendo tempo com a vida chata do Padraic e quer aproveitar o pouco tempo de vida que ele ainda tem, compondo música. Tudo é bem absurdo, eles moram numa ilha fictícia na Irlanda e a população é umas vinte pessoas, tudo ali é meio chato. A relação dos dois vai evoluindo a extremos. Ótimo filme.
Minha vida no geral é meio chata também. Via de regra, faço as mesmas coisas todos os dias, meus pensamentos e ideias ciclam entre si, se aprofundando tão lentamente. Mudamos todos os dias, mas pra quem observa de perto, como o crescimento lento de qualquer planta, a mudança é imperceptível. As amizades são essas relações que acompanham a gente por uma vida inteira, por cada fase e mudança. É bonito.
Muitos filmes falam sobre relacionamentos amorosos acabando (alguns deles são meus filmes favoritos), mas os términos de amizade parece não trazer tanto destaque e glamour no cinema, porque quase não são abordados, quase como se a amizade fosse uma relação menos importante na vida das pessoas, uma relação com menos valor. Tornando o luto dessa perda uma experiência sem referências. E é de partir o coração quando acaba, quando é uma relação de anos, é como se a pessoa reconhecesse tudo o que você é e rejeitasse tudo isso. Ou, quando parte da gente, abrir mão de uma conexão que um dia significou tudo e agora já não faz mais sentido.
Meu medo de receber um bilhete assinado por todas minhas amigas, declarando que não posso mais fazer parte do grupo, me golpeia periodicamente como o fantasma do natal passado, colocando essas relações no centro de tudo. Quem eu fui e quem eu serei passa por essas relações de amizades. É um lembrete periódico de eu me manter fiel ao que eu acredito, aos valores que eu tenho, e uma urgência de continuar confiando no outro e na vulnerabilidade que a gente se expõe numa relação de verdade.


Acho que sou o Padraic, só que não perguntei a nenhum dos meus amigos. Simplesmente deixaram de falar comigo, deixaram de se importar. Tento não pensar nisso, mas às vezes pega